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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Marina Silva: a casta diva das eleições 2010


 Fonte: Portal UFS

No dia 26 de dezembro de 1831, no Teatro Escala, de Milão, pela primeira vez foi apresentada a ópera Norma, de Vincenzo Bellini. Mas o que há de tão extraordinário nesta ópera? Qual a relação que se pode estabelecer entre esta ópera do século XIX e Marina Silva, candidata do PV à Presidência da República nestas últimas eleições?

Norma, personagem central da ópera, é cindida entre duas opções: servir à religião ou à política. Embora essas duas esferas não sejam totalmente antagônicas, no contexto da peça, ganha ares decisórios de, abraçando uma, inexoravelmente atingir a outra. Norma é filha de Oroveso, um chefe guerreiro que comanda uma tropa de rebeldes dos druidas, que lutam contra os romanos. Como de hábito, antes de uma guerra, os antigos costumavam consultar os deuses para saber se o momento era ou não estratégico para o combate.

Ora, Norma era a sacerdotisa do templo. Uma mescla de divindade, autoridade religiosa e líder espiritual. Por sua beleza, postura e personalidade forte, ela era a responsável por traduzir os sinais divinos para instigar ou não a coragem dos revoltosos a fim de combaterem o jugo dos romanos opressores. Na condição de sacerdotisa, Norma é casta, virgem; enquanto mulher mortal, bela e atraente, sofre o peso dos dilemas humanos, como o das paixões. Filha do chefe político, não poderia trair sua pátria, mas sob a égide das circunstâncias, acaba não domando seus sentimentos, o que a empurram para dilemas éticos: seguir seu coração ou suas preferências político-religiosas? Não se trata de fácil escolha. O fato é que ela guarda um sério segredo, só revelado no final da peça.

Indubitavelmente, a grande novidade das eleições presidenciais deste ano foi Marina Silva, do Partido Verde. A seringueira, que queria ser freira e acabou largando o convento para juntar-se a Chico Mendes na luta ecológica, não esperava a votação de praticamente 20 milhões de votos. Além de seu carisma, de sua trajetória de vida pessoal, de sua experiência na política e no exercício do Ministério do Meio Ambiente do governo Lula, o que efetivamente impulsionou a candidatura de Marina à presidência ao ponto de inseri-la como provável candidata nas próximas eleições?

Há várias respostas possíveis para esta questão. Há quem diga que foi o discurso ecológico de Marina e de seu partido; outros alegam que seu sucesso foi um voto de protesto contra Dilma, em virtude dos possíveis casos de corrupção que vieram a lume na reta final do primeiro turno das eleições. Vejo, no entanto, que esses aspectos, embora importantes, parecem-me secundários. Segundo penso, a questão fundamental do fenômeno Marina foi sua visão política: muita gente se identificou por ela.

Marina se apresentou para os brasileiros nessas eleições como sendo praticamente uma santidade do mundo da política. Com postura religiosamente definida, entoava uma ladainha do meio ambiente em que por um lado se mostrava catastrofista e por outro disposta a resolver tudo com uma única prece. Mostra-se não tendo vaidade feminina: usa roupas sóbrias, tons leves, pouca maquiagem, coque no cabelo discreto. Com voz meiga, gestos suaves, no vestir e no andar, parecia a própria imaculada. Mas toda esta santidade esconde um conservadorismo político.

A estrela do PV, que defende ardorosamente a luta contra a devastação da floresta amazônica, não quer nem saber de discutir sobre o aborto, a união civil entre pessoas do mesmo sexo, as políticas públicas para grupos de vulneráveis. Para ela, a luta política dessas pessoas não se mistura à luta por melhor qualidade de vida, inclusive dos excluídos, destas e das próximas gerações. O que é pior, no embate entre os outros candidatos à presidência, no afã de ser a via alternativa, Marina se apresentou como uma espécie de casta diva: a pura e virgem da política brasileira. Os outros, Dilma e Serra, representavam a velha política, os devassos do “balcão de negócio” - como várias vezes ela se reportou a eles -, o “toma-lá-dá-cá”, e ela, Marina, acima do bem e do mal, dos pobres mortais que se digladiavam pelo poder.

Ao apresentar-se com esta postura, Marina quis mostrar que seria possível vencer as eleições sem conchavos, sem acordo, simplesmente por sua integridade. Ora, isso existiria? Haveria a possibilidade de uma santidade na política? Como Marina poderia governar sem a concha de acordo, tão característica da política brasileira? Foi por esta visão de política que muita gente votou em seu projeto. Com os escândalos de corrupção envolvendo possivelmente tanto pessoas ligadas ao Partido dos Trabalhadores quanto ao PSDB, e mesmo o DEM, restou a crença no discurso salvacionista de Marina Silva.

Ora, no mundo antigo, em que havia a vinculação estreita entre a política e a ética, de fato, existia essa visão de uma política ética. Depois que Maquiavel defendeu, no século XVI, que em política não há essa pureza ética, porque se houvesse o governante tenderia para o fracasso, - o que não quer dizer que os governantes devam ser imorais e lascivos -, a política moderna tornou-se um jogo e ganha quem souber lidar melhor com ele. Poucos entendem o paradoxo que Maquiavel estabeleceu na política: por vezes o governante deve ser capaz de agir de modo amoral para que estabeleça um estado moralmente justo. Por esta razão, como diz Sartre, em um de seus romances mais célebres, “onde o político põe as mãos, ele acaba se sujando”, porque não há político que seja absolutamente puro.

No final da peça, tudo é revelado: Norma se apaixonou pelo maior inimigo dos druidas, Pollione, chefe dos romanos. Por amor a ele, a grande sacerdotisa perdeu sua virgindade, teve dois filhos, traindo seu templo e sua pátria. Escondeu isso tudo até quando pôde e, o que foi pior, evitou a guerra contra o opressor, como forma de manter seu amante perto, denotando todo o seu pendor individual contra seu dever coletivo. Que segredo estaria Marina escondendo? Se ela não encontrou a santidade na vida religiosa não será, certamente, na política partidária...

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